quarta-feira, 29 de agosto de 2012

SÉRGIO GODINHO


DANIEL FARIA



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CONSERTO A PALAVRA

Conserto a palavra com todos os sentidos em silêncio
Restauro-a
Dou-lhe um som para que ela fale por dentro
Ilumino-a

Ela é um candeeiro sobre a minha mesa
Reunida numa forma comparada à lâmpada
A um zumbido calado momentaneamente em exame

Ela não se come como as palavras inteiras
Mas devora-se a si mesma e restauro-a
A partir do vómito
Volto devagar a colocá-la na fome

Perco-a e recupero-a como o tempo da tristeza
Como um homem nadando para trás
E sou uma energia para ela

E ilumino-a

                                               Daniel Faria (1971-1999)

(do livro «Homens que São como Lugares Mal Situados»)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ANTÓNIO RAMOS ROSA


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(Chamo pátria de profundas veias)


Chamo pátria de profundas veias
a essa relação viva entre os homens se ela houvesse
e não esta condição de anónima indiferença
e de vaga identidade flutuante
sem cúpula e sem os templos brancos
com jardins de um ócio voluptuoso
É por isso que estamos condenados
à solidão de não pertencermos à dilatada força
que constitui um universo e projecta um horizonte
de humanidade viva em floração unânime
Somos apenas cúmplices da nossa inabilidade
e dos ornamentos com que a revestimos
para parecer que somos e ser o que parecemos
Quem escreve procura abrir um espaço numa muralha
tão opaca mas vaga e cinzenta
que esse espaço imaginado de branca identidade
não é mais que um aceno à possível liberdade
para além da sua glória profanada


                                            António Ramos Rosa (n. 1924)

(do livro «Pátria Soberana seguido de Nova Ficção» - Quasi Edições, Outubro/1999)


sábado, 25 de agosto de 2012

FADWA TUQANE



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BASTA-ME

Basta-me morrer no meu país
ser nele enterrada
nele me dissolver e aniquilar
renascer como erva sobre a terra
renascer como flor
que uma criança crescida no meu país desfolhará
Basta-me ser no regaço da minha pátria
terra
        erva
                flor


                 FADWA TUQANE (Nablus, Norte da Cisjordânia – 1917-2003)

(do livro «Pequena Antologia da Poesia Palestiniana Contemporânea» - selecção e tradução de Albano Martins – Edições ASA, Fevereiro/2004)

- Considerada uma das melhores poetas árabes contemporâneas,
Fadwa Tuqane foi uma das pioneiras
no uso do verso livre na poesia árabe.
Recebeu vários galardões internacionais, entre os quais, em 1996,
o Prémio de Honra da Palestina para Poesia. -

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

AVIDEZ


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«À pobreza faltam muitas coisas, à avidez falta tudo.»

 
Públio Siro

sábado, 18 de agosto de 2012

2013 - PLANO DE ACTIVIDADES


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Estimados sócios e amigos da SMUP:

Até ao final de Setembro, a SMUP tem que apresentar à Câmara Municipal de Cascais o seu Plano de Actividades para 2013. Sem isso, qualquer tipo de subsídios camarários à actividade regular da nossa colectividade ficará fora de questão.

Assim, apresentem-nos ideias e sugestões para eventos que possamos vir a incluir no referido Plano (tendo em conta, claro está, o actual estado das nossas instalações).

Pode ser?

VAMOS LÁ!
CONTAMOS CONVOSCO!


ROLLING STONES

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

«NOVOS MODOS DE NÃO SER»


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(artigo de opinião de Madalena Homem Cardoso, publicado no jornal "Público" de 28.07.2012, aqui transcrito pelo seu polémico interesse)

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NOVOS MODOS DE NÃO SER - A Língua Portuguesa e outros Organismos
Geneticamente Modificáveis
             
                                                                                 "El mayor crimen está ahora, no en los que matan,
                                                                                          sino en los que no matan pero dejan matar."
                                                                                                                                     (Ortega y Gasset)


No princípio não é o verbo, é a falácia. É preciso alegar falaciosamente a prossecução de um grande desígnio para fazer negócio com coisas que a opinião pública, indiferente aos milagres operados pelas "bolhas" na economia, ingenuamente considera intocáveis.

Se a oportunidade de negócio repugna ao senso-comum como uma profanação, se suscita as maiores dúvidas e preocupações aos cidadãos instruídos e informados, se põe em causa valores fundamentais, então é preciso um grande desígnio e transferir vigorosamente o ónus da prova. Com dinheiro, isso arranja-se...

Se o impingir do tal desígnio falhar, se a tentativa de transferência do ónus da prova for desmascarada por quem defenda tenazmente os valores postos em causa, resta a constatação do facto consumado, pois nessa altura já o poder político (que nasce e cresce quase sempre ajoelhado diante do poder económico) apoiou incondicionalmente o alegado grande desígnio, e o negócio está em marcha. "Paciência, é demasiado tarde, temos pena..."

O dinheiro ajuda muito a encolher os ombros a sucessões de falácias e, sobretudo, a factos consumados. O cansaço também. A indiferença, mais ainda. E assim medram os vícios antidemocráticos nas democracias, ao ponto de aniquilarem os valores humanos fundamentais e as perspectivas de futuro. O paradigma é muitas vezes este mesmo, facilmente identificável.

"Vamos matar a fome no Mundo!", diz-se, e patenteiam-se batatas ultra-competitivas, batatas topo-de-gama, uniformes no peso e na forma, sem manchas na pele ou na polpa, à prova de fungos e insectos e vírus e herbicidas, dir-se-iam a perfeição com aparência de tubérculo...

"Vamos matar a fome no Mundo!", diz-se, e qualquer dia não há outras espécies para cultivar, pois os genes patenteados contaminarão e aniquilarão o património genético de inúmeras espécies vegetais, a riqueza e o potencial da sua biodiversidade... "Mas sempre se fez melhoramento de plantas!" ...Sim, mas o melhoramento de plantas não leva genes de ratazana para o genoma das alfaces (Virginia Tech, Estados Unidos da América)... "Pois, mas esta biotecnologia vai acabar com a fome no Mundo... Provem lá que não vai!" ...Eis a tal transferência do ónus da prova.

Enquanto se esgrimem argumentos, já se transferem os genes que codificam os pigmentos de certas flores para dar cores novas ao tomate (John Innes Centre, Reino Unido), apelativas aos consumidores, e já os organismos geneticamente modificados (OGM) estão, sobretudo nos Estados Unidos da América e no Terceiro Mundo, a produzir riqueza para poucos. Nos solos áridos resultantes da desflorestação da selva amazónica, já há anos se produz a soja transgénica que depois entra, através das rações para animais, em países que só aparentemente vedam o consumo de OGM na alimentação humana...

Facto consumado, já está... e, contra factos, não há argumentos. Quem são os retrógrados que pretendem tentar travar os progressos científicos? (Serão os mesmos que se opõem à construção de centrais nucleares?)

Já nem é referida a suposta intenção primordial de acabar com a fome no Mundo, e essa lá continua e até se expande, alheia ao "marketing" das grandes multinacionais que sonham controlar o preço de toda a alimentação dos que possam pagar para se alimentar, no futuro... Os morangos, quando todos tiverem "direitos de autor", não poderão ser cultivados no quintal, irão carecer de licenciamento. As sementes programadas para gerarem plantas estéreis têm o equivalente a um microscópico código de barras. Um dia, também os seres humanos terão código de barras tatuado algures, ou "chip" subcutâneo, ou actualizações disponíveis para o seu "software" mental, quem sabe...?

 "Vamos unificar a Língua Portuguesa no Mundo!", diz-se, e cria-se o conceito de "Lusofonia", a propósito do qual os "lusófonos encartados" viajam muito e organizam congressos, onde se produzem imensos discursos e onde se abrem oportunidades de negócio. A "Lusofonia" amealha subsídios chorudos e será referida tantas vezes quantas as necessárias para que se creia que existe de facto.

Unificar a Língua Portuguesa no Mundo? Enquanto eu apanho um autocarro, um brasileiro continuará a "estar pegando ônibus", e aqui temos a responsabilidade de preservar a matriz do Português, um património com muitos mais séculos do que o próprio País, parte indissociável da nossa identidade, da nossa soberania... Não é por decreto que se sustém o fenómeno espontâneo e natural da divergência linguística. Não é pelo empobrecimento brutal da variante europeia que se opera qualquer aproximação.

Em Português do Brasil, ou Brasileiro: Um brasileiro chega num hotel em Portugal, enxerga uma placa dizendo "receção" e pensa "Minha nossa, aqui a recessão econômica está ficando braba, já tem atendimento para hóspede sem grana...", porque ele continuará escrevendo "recepção" e continuará falando "ricepição". Queira-se ou não. Aonde pára (ou "para", em "acordês atual") a unificação? (Nestoutro paradigma de "bolha", mesmo transferindo-se o ónus da prova, a demonstração da falácia é bem fácil de fazer por absurdo.)

A nossa língua – como todas as línguas – é um ser vivo muito complexo, tem um "património genético" que a filia evolutivamente no conjunto das línguas europeias, há parentescos entre palavras, há várias formas de dizê-las, cada palavra tem uma História e todos somos nós em cada uma delas... Cada uma é um gene, e o Português de Portugal é o nosso ADN, o nosso legado aos nossos filhos e netos, não um linguajar de plástico adulterado pelo "contato direto sem espetativas" com uma escrita ao jeito da "fast-food", uma escrita artificial e artificiosa inventada sobre o joelho, ao sabor de conveniências obscuras.

"Vamos dar expressão mundial à 'Lusofonia', o Português poderá vir a ser 'língua oficial' / 'língua de trabalho' nas Nações Unidas!" ...Não, o Português não poderá vir a ser língua de trabalho, muito menos língua oficial, nas Nações Unidas; essas são descaradas mentiras, mentiras muitas vezes repetidas por quem tem as mais altas responsabilidades, mentiras-de-Estado...! "...Pois, todavia Portugal é minúsculo e o Brasil é imenso, não queiramos assumir uma posição neocolonialista!" (Terão os portugueses de pedir licença à "Lusofonia" para "colonizar" Portugal?) ...Mas, perante os cinco países africanos de expressão portuguesa, os territórios da Ásia e Timor Lorosae, onde é a variante europeia do Português que prevalece, será agora o Brasil a impor um neocolonialismo económico? Ou populacional? ...Sim, porque inicialmente, em 1986, o "acordo ortográfico" chamou-se "acordo ortográfico luso-brasileiro" e só o ridículo "cagado na praia de fato" susteve (pelo dejecto na indumentária) o projecto de suprimir-se o acento agudo nas palavras esdrúxulas... Lembram-se? Eram os "lusófonos" a dar os primeiros passos, ousados, desastrados.

Agora, é o facto consumado (ou outro tabu?) e abre-se um precedente. Criado um "lusofonês" ou "acordês" só nosso, suposta a obrigatoriedade de se instalar o "conversor" Lince que não "faculta" as "facultatividades", está aberta a época de caça à consoante alegadamente muda e espúria, a época de caça ao hífen e a alguns acentos, etc.... Adaptem-se os falantes e escreventes do Português de Portugal a uma decisão internacional já tomada no âmbito da "Lusofonia", tal como os ilustres deputados da Nação se adaptaram bem à disciplina partidária e votaram na ignorância, contra a sua consciência, contra todos os pareceres dos especialistas, contra a vontade dos que os elegeram... A responsabilidade de todos foi e é "chutada para canto" (ou "escanteio", no Brasil).

Qualquer dia, quando em Portugal se propuser a extinção da letra "H" – "consoante muda" mais muda não há! –, ou a supressão total da acentuação gráfica e da cedilha com vista à "adocao" de teclados internacionais, os brasileiros irão repor o seu trema, muito naturalmente, pois é-lhes necessário... Continuarão com as mesmas hediondas taxas de analfabetismo e de iliteracia funcional, ou talvez não. Continuarão a ter um dos piores sistemas de ensino a nível mundial, ou talvez não. Provavelmente, continuarão sem conseguir gerir um caos linguístico bem anterior a este que estamos a instalar por cá. O Brasil irá gerir o seu destino por si mesmo, sem consultar a "Lusofonia", isso é seguro; era o que mais faltava...!

Por cá, continuará a ser necessário vender ainda mais dicionários e livros escolares "atualizados", promover ainda mais "ações de formação" para ensinar o que então for considerado "Português correto" (leia-se "corrêto" como em "carreto", claro!), e far-se-á um "neo-acordês" ainda mais "atual", patrocinado pelas agências de viagens escolhidas pelos senhores da "Lusofonia", primos dos governantes que apelam a que emigremos...

O "acordês" não é Lei, é apenas "resolução" muito pouco resoluta... Ainda que o fosse, não há leis irrevogáveis, não há tratados internacionais irreversíveis. "O povo é quem mais ordena", ou já não é...!?

Nem interessa saber quem promove (ou a quem convém) o linguicídio. Os brasileiros eruditos repudiam-no vivamente, isso é sabido. Angolanos e moçambicanos rejeitam-no, estupefactos, incrédulos. ...Interessa, isso sim, saber quem se cala, saber quem consente, aqui e agora... Quantos de nós?

domingo, 5 de agosto de 2012

MISTÉRIO...


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Melhor:

               O MISTERIOSO CASO DO MAPLE NO LOGRADOURO

Foi há uns dias atrás. Uma ou mais alma(s) caridosa(s) ofertaram à SMUP, de forma incógnita até ao momento, um excelente maple de 2 lugares, praticamente novinho em folha. Foi-nos deixado no logradouro.
E esta, hem?!... Ainda há almas bondosas.

E, claro está, a gerência agradece!!!

(PS - Estamos disponíveis para novas ofertas, obviamente.)


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

NUNO COSTA SANTOS


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LOJA DO CIDADÃO

Povo de roupa lavada
que arrumas os assuntos da vidinha
nestes algarvios dias de Agosto,
dança comigo um melancólico kuduro,
festeja comigo
como, na Praça do Chile,
vi festejar um golo de Espanha
um grupo de russos e de chineses.

Trata por igual os que já cá estão e os
que ainda hoje de manhã
chegaram ao Aeroporto da Portela
para vender camisolas do Brasil no Martim
Moniz. Olha por este pequeno rapaz
nascido em Portugal,
chama-se Jairson, como o pai e o avô,
e traz no bolso dos calções o desejo, generoso e insensato,
de ser português
como tu.

                                               Nuno Costa Santos (n. 1974)

(do livro «Às vezes é um insecto que faz disparar o alarme» - Companhia das Ilhas, 2012)